Como avançar em diversidade e inclusão nas organizações

A sociedade e as empresas devem investir em espaços acolhedores e de diálogo

Abraçar a diversidade nas empresas é um processo que requer intenção, mas que vai muito além disso. Precisa ser construído por muitas mãos e requer uma postura de aprendizagem da parte de todos.

Vernã Myers, vice-presidente de estratégia de inclusão na Netflix, disse: “Diversidade é convidar para a festa, inclusão é chamar para dançar”, mas a frase em si incomoda porque revela ainda uma assimetria. Pense comigo: se apenas um grupo de pessoas escolhe a música, o local, os convidados, a dança e os respectivos pares, a inclusão pode ficar um pouco de fora da festa. Seguindo essa analogia, a realidade na maioria das empresas é que os grupos dominantes têm a prerrogativa de chamar para a dança enquanto aos demais caberia aguardar um convite para o bailado.

Na dança, assim como na cultura de uma organização, a harmonia é crucial. É necessário observar o nosso ritmo e o do outro ao movimentar o corpo, para alcançar o entrosamento que torna a dança coordenada e prazerosa. Ainda que, em teoria, isso possa ser divertido, na prática, não escapamos todos de uns bons encontrões e pisões até acertar. O motivo disso é que nem todos possuem o mesmo ritmo e tiveram as mesmas experiências para usar os mesmos passos.

Olhar para si e olhar para o outro

Uma característica presente nos(as) melhores bailarino(as) é a consciência que se tem do próprio corpo. Na vida profissional também é assim. O autoconhecimento é necessário e é produto de uma análise profunda de si. Entretanto, a dança em uma organização e na sociedade, como já falamos, não é um solo.

Ninguém é uma tela em branco. Somos frutos de milhares de experiências que vão construindo nossa identidade. As marcas deixadas pelas vivências diárias determinam o jeito de ver o mundo, a interpretação da realidade e, portanto, as escolhas e atitudes.

Chimamanda Ngozi Adichie, premiada escritora nigeriana, explica como vamos formando uma visão de mundo limitada que não dá conta da multiplicidade de narrativas. Em seu texto “O perigo de uma história única”, provoca o leitor.

“Nós tínhamos, como era normal, empregada doméstica, que frequentemente vinha das aldeias rurais próximas. Quando eu fiz oito anos, arranjamos um novo menino para a casa. Seu nome era Fide. A única coisa que minha mãe nos disse sobre ele foi que sua família era muito pobre. /…/ eu sentia uma enorme pena da família de Fide. Então, num sábado, nós fomos visitar a sua aldeia e sua mãe nos mostrou um cesto com um padrão lindo, feito de ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! /…/ havia se tornado impossível, pra mim, vê-los como alguma coisa além de ‘pobres’. Sua pobreza era minha única história sobre eles.” (trecho de “O perigo de uma história única”, de Chimamanda Ngozi Adichie)

Chimamanda reconhece com perplexidade como estava formando uma visão única sobre a família de Fide. Muitas vezes incorremos nestas generalizações, sem nos darmos conta e passamos a interpretar o presente com base no que aprendemos e vivemos, ainda que esta interpretação possa contrariar a lógica do que está acontecendo no contexto atual. Isso acontece porque agimos e nos posicionamos com base em conceitos internalizados, passamos a fazer associações automáticas. Ou seja, nosso jeito de ver as coisas tem um viés, mecanismo que é chamado de viés inconsciente, viés cognitivo ou ainda preconceito implícito.

É com bagagens repletas de experiências prévias que chegamos à festa.

Como acertar o passo?

Algumas organizações que adotaram o ESG (ambiental, social e governança, em português) como pilar de gestão, com políticas e práticas para favorecer a diversidade e inclusão, oferecem aos seus colaboradores treinamento em viés inconsciente. Esta é uma prática que deve ser aplaudida, mas não impede que se erre, já que as crenças estão arraigadas. E como não foram construídas num estalar de dedos, a desconstrução também não será rápida. O processo é difícil, contínuo e trabalhoso.

Estamos todos em modus aprendizado!

Uma forma de aprender é colocar nossas convicções em cheque. O preconceito é algo que, em algum momento, aprendemos e assimilamos. É na decisão de furar nossas bolhas, de conviver com pessoas, grupos e ideias diversas que reside a possibilidade de abertura. Uma busca nada fácil, já que o diálogo pressupõe lidar com a tensão das diferenças.

Portanto, se você quer aprender a apreciar a multiplicidade, é preciso preparar-se para o estranhamento e para os incômodos, afinal é um mundo novo que se apresenta e perspectivas que contrariam a nossa maneira habitual de ver a realidade.

Dê uma folga ao julgamento. Sim, todos nós julgamos. Com isso, estou sugerindo apenas dar um tempo. Convoque sua curiosidade e respeito, como se estivesse se preparando para uma viagem a um país com hábitos e costumes bem diferentes dos seus. Deixe que a curiosidade seja sua aliada e seu guia.

Por que será que ele pensa e vive assim? Como chegou nesta ideia? Que vivências levaram a estas formulações? Porque me causa tanto estranhamento a sua forma de pensar e viver?

Veja bem, não há respostas exatas, mas esta aproximação pode ajudar a entender melhor os diferentes pontos de vista, legitimando a história de cada um e fornecendo recursos para construir relações mais dialógicas.

Na busca genuína para transformar a realidade e garantir diversidade nas organizações, dançamos ainda aos tropeços. Deslizes acontecem e, sem nem perceber, lá estamos nós empregando expressões ou reproduzindo atitudes que denunciam nossos preconceitos. Não somos preconceituosos porque somos pessoas ruins, mas porque aprendemos a compreender o mundo de determinada maneira. Nossos preconceitos são, na realidade, nossas pré-compreensões.

Responsabilidade relacional

Na busca de acertar o passo, aqueles que erram devem reconhecer, se desculpar e manifestar desejo genuíno de aprender e reparar. Os que são injustiçados com estes equívocos têm o papel de denunciar, mas também esclarecer e educar. Quando a denúncia se faz pela agressão e quem erra se sente atacado, a distância tende a se estabelecer e os pontos de vista a se polarizar. E, infelizmente, muitas vezes essa ainda é a resposta àqueles que erram o passo.

Sheila McNamee, Ph.D e professora emérita de Comunicação da Universidade de New Hampshire, diz que é preciso mover-se de uma perspectiva individual para uma noção de responsabilidade relacional. “Não é você, não sou eu, é o que estamos fazendo juntos. Nós juntos somos responsáveis pelo que estamos criando”, diz ela, e chama isso de responsabilidade relacional.

É crucial que a sociedade e as organizações insistam e invistam na criação de espaços de diálogo, espaços estes que devem existir nas empresas para que se possa conversar abertamente sobre as situações conflitivas dentro e fora delas. Somente assim podemos construir com o outro práticas que valorizem a diversidade na organização e na sociedade.

Trabalhemos todos para ter festas abertas para quem quiser chegar!


Jacqueline Resch
Jacqueline Resch é consultora e sócia-diretora da RESCH RH. É graduada em psicologia pela PUC-Rio, tem MBA pela COPPEAD (UFRJ). Nos últimos seis anos vem se dedicando ao estudo do diálogo, tendo obtido a certificação em Práticas de Colaboração e Diálogo pelo Taos Institute (EUA) e cursado a pós-graduação em perspectiva e prática profissional generativa pela Universidade de Manizales (Colômbia).