Comando e Controle

Como mudar o mindset

As soluções buscadas para ganhar produtividade nas linhas de produção, no início do século 20, deixaram uma herança que até hoje, 100 anos depois, está impressa na forma de se organizar de grande parte das empresas.

Comando e Controle, considerado um santo remédio, hoje é puro veneno. Essa forma de gerenciar, agora questionada, vista como anacrônica e inadequada em função das desafiadoras transformações globais, constou na cartilha de muitos profissionais que respondem pela gestão de equipes nas organizações e configura uma marca na sua forma
de atuar. Foram educados, reconhecidos e premiados durante um longo tempo por esses comportamentos de “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Porém, hoje as lideranças são instadas a absorver imediatamente as mudanças complexas e, para sobreviver, precisam também rapidamente desenvolver um novo mindset e novas habilidades. O que se vê? Gestores preocupados, confusos e ansiosos diante das novas exigências a atender.

Até porque, ainda que o discurso tenha mudado e novas palavras tenham sido adotadas para traduzir o modelo atualmente vigente – autonomia, autogestão, confiança, colaboração, segurança psicológica, etc. – a verdade é que os novos mantras coexistem com orientações e práticas daqueles tempos que endossam a cultura que se quer mudar, transmitindo muitas vezes mensagens ambivalentes.

Recentemente, um executivo me confidenciou: “Todos esses novos conceitos me deixam confuso. Aprendi a liderar com pulso firme. Agora, a conversa é outra… é participação,
colaboração, autonomia. Até a saúde mental do time agora é minha responsabilidade!”

Uma executiva bem-sucedida, estratégica, inovadora e fortemente orientada para resultados me procurou para um coaching. Havia sido mal-avaliada pela sua equipe. Precisava fazer alguma coisa e não tinha ideia de por onde começar. Eu me comovi com sua sinceridade. Ela disse: “Empatia? Nem sei o que é isso”.

Novos conceitos chegam e, junto, a premência de virar a chave. Como virar a chave? Como se libertar de crenças arraigadas que funcionaram até um determinado então e absorver novos conceitos que estão nos livros, nos artigos, nos programas de treinamento e fazê-los parte do dia a dia?

O caminho a percorrer é longo e toda transição requer tempo para se assimilar e construir uma nova história. Então, como conceder tempo a esse processo, se vivemos no mundo da urgência, do tudo para ontem e dos resultados imediatos? Como repensar valores, refletir sobre o impacto de estilos e atitudes, experimentar modos diferentes de fazer, lidar com as dualidades e os conflitos inerentes a qualquer mudança, sem o mínimo de tempo?

Byung- Chul Han, coreano, professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim, alerta em seu livro A Expulsão do Outro, sobre o tempo necessário para o trabalho com conflitos: “A cultura atual do desempenho e da otimização não permite nenhum trabalho sobre o conflito, pois esse trabalho demanda tempo. O sujeito do desempenho atual conhece apenas dois estados: funcionar ou falhar. Nisso ele se assemelha às máquinas. Também máquinas não conhecem nenhum conflito. Ou elas funcionam sem impedimentos ou elas estão quebradas”.

E continua: “Conflitos não são destrutivos. Eles têm um lado construtivo. Só de conflitos surgem relações e identidades estáveis. A pessoa cresce e amadurece por meio do trabalho sobre o conflito”.

Para tanto, é preciso romper com a lógica do desempenho e da produção também nas atividades e fóruns que são oferecidos aos líderes para pensar a questão da liderança. É preciso tomar tempo e criar espaços coletivos de reflexão e experimentação, que possibilitem a esses profissionais encontrar, eles próprios, novas formas de ser e estar com suas equipes, formas apropriadas a uma época na qual pessoas e resultados não podem ser mais colocados como polos de uma dicotomia.

Vivenciar essa transição em grupo, com pares que vivem dilemas semelhantes, pode ser extremamente útil.

Tal qual um trapezista que faz seu voo entre duas barras está protegido por uma rede de segurança, estar com pares nesse momento pode ser altamente reconfortante e enriquecedor. Para além do alívio de não se ver solitário nessa jornada, é no intercâmbio de sentimentos, iniciativas, novas abordagens e na rara experiência de ser escutado e escutar os demais que o participante amplia seu autoconhecimento e prepara-se para construção de novas formas de se relacionar com a sua equipe de colaboradores.

Lembro de uma profissional que sempre dizia odiar o tempo gerúndio. Claro, havia um contexto e ela se referia a pessoas que se esquivavam de suas responsabilidades e estavam sempre fazendo as coisas, enquanto ela buscava impacientemente o resultado.

Já eu dou grande valor a esse tempo de verbo. O gerúndio é uma forma nominal do verbo que indica continuidade. Ele expressa o tempo do processo que precisamos para fazer as transições necessárias às mudanças sustentáveis. E, cá entre nós, investir em encontrar formas de melhor se relacionar sempre será gerúndio, jamais será tarefa concluída.

O link para a revista é https://lnkd.in/dWhST6Gz
O artigo está na edição 160, pág 54.



Jacqueline Resch
Jacqueline Resch é consultora e sócia-diretora da RESCH RH. É graduada em psicologia pela PUC-Rio, tem MBA pela COPPEAD (UFRJ). Nos últimos seis anos vem se dedicando ao estudo do diálogo, tendo obtido a certificação em Práticas de Colaboração e Diálogo pelo Taos Institute (EUA) e cursado a pós-graduação em perspectiva e prática profissional generativa pela Universidade de Manizales (Colômbia).