Sou curiosa de nascença. Acho que é genético. Meu pai parava na praia para ouvir conversas interessantes dos outros. Eu morria de vergonha, mas tenho a impressão que faço a mesma coisa – porém, garanto, disfarço melhor que ele.
Minha mãe era fácil de relacionamento e viajar com ela era voltar com mil amigos na bagagem. Simpática que era, se metia educadamente na conversa alheia, era acolhida e o papo seguia.
Minha mãe era fácil de relacionamento e viajar com ela era voltar com mil amigos na bagagem. Simpática que era, se metia educadamente na conversa alheia, era acolhida e o papo seguia.
Novos amigos nos recheiam de novas histórias. Ouvindo-as aprendemos sobre eles, e claro, também sobre nós. Por isso presto atenção! Acho a expressão muito bonita e enriquecedora. Segundo o dicionário Houaiss, “prestar atenção” significa ouvir, olhar, sentir algo com atenção aumentada, concentrada. Ou seja, colocar uma lupa no outro. Coisa rara em um mundo que nos estimula a olhar mais para o espelho.
Pois bem, prestei atenção em uma história, me entusiasmei com ela e quero dividi-la com você, leitor(a).
Era uma vez um gestor de nome Luis, que gostava muito de sua equipe e se preocupava com seu bem-estar e desenvolvimento. Certa vez, uma das colaboradoras do seu grupo pediu demissão, tinha uma nova proposta de trabalho e entendia que poderia adquirir novos conhecimentos e experiências. Ele, que não queria perdê-la, propôs um intercâmbio com uma outra área da mesma diretoria, de modo a atender os seus objetivos de aprendizagem.
Ela ficou balançada, mas resolveu abraçar a nova oportunidade de trabalho. Luis entendeu que esta necessidade poderia ser comum a outras pessoas da equipe. Conversou com uma de suas pares e implementaram uma ação de intercâmbio, possibilitando que colaboradores de ambas as gerências aprendessem as tarefas de seus colegas e ampliassem seu portfólio de conhecimentos.
A ação deu tão certo que animou Luis e sua par a ampliarem o número de participantes para o ano seguinte. Já no terceiro ano estava comprovado o sucesso da iniciativa, que foi encampada pela área de Recursos Humanos e hoje inclui 60 intercambiantes, que correspondem a 15% dos funcionários”
Embora comece com “Era uma vez”, esse não é um conto de fadas ou uma história da carochinha. É uma história real. Luis é de carne e osso, tem cabeça e coração.
O que me chamou atenção nesta história?
- Luis não entendeu a demanda da profissional que pediu desligamento como uma necessidade só dela. Quando a perdeu para o mercado, não achou que o problema terminava ali. Considerou que outros na equipe poderiam ter a mesma demanda e se beneficiar com o intercâmbio.
- Iniciou uma ação que não exigiu orçamento, tecnologia, aprovações. As mudanças dependiam de sua visão, sua vontade, sua capacidade de escuta e articulação.
- Foi fazendo tudo de mansinho, um autêntico MVP (acrônimo de Minimun Viable Product, expressão das startups que fala do processo de se construir, medir e aprender com o mínimo de esforço, gasto e tempo), o que prova que nem tudo precisa começar grande, super estruturado e com budget assegurado.
- Que há tantas boas ideias espalhadas nas empresas e que elas florescem quando se há solo e clima fértil.
- Que boas práticas às vezes surgem em áreas que não são as especialistas no tema (no caso aqui, o RH), mas podem germinar, se a empresa não tem cultura de feudos.
Voltando ao início da nossa conversa, eu agradeço a herança genética de meus pais. Eu adoro aprender com as histórias dos outros. Como disse Vívian Rio Stella, doutora em Linguística pela Unicamp, em artigo publicado recentemente, “Comunicar é atribuir sentidos, a partir de saberes e experiências prévias, abrir espaço para que cada pessoa resgate memórias, reflita sobre suas práticas e perceba sentidos que outras pessoas atribuem“. Quanta potência e bagagem isso pode trazer para nós e ao outro!
Quando prestamos atenção aos sentidos que as pessoas atribuem às coisas e aos fatos, diferentes daqueles que nós atribuímos, temos a possibilidade de enxergar com novas lentes uma mesma situação e assim encontrar novas alternativas de lidar com elas.
E você, o que aprendeu com a história do Luis?
Jacqueline Resch
Jacqueline Resch é consultora e sócia-diretora da RESCH RH. É graduada em psicologia pela PUC-Rio, tem MBA pela COPPEAD (UFRJ). Nos últimos seis anos vem se dedicando ao estudo do diálogo, tendo obtido a certificação em Práticas de Colaboração e Diálogo pelo Taos Institute (EUA) e cursado a pós-graduação em perspectiva e prática profissional generativa pela Universidade de Manizales (Colômbia).